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O psicanalista no hospital

Possibilidades de trabalho

Inibição se vence trabalhando! Desde que ouvi essa frase venho tentando produzir algo a respeito do trabalho de um analista no hospital. Quando me refiro ao analista, penso que a denominação contempla todos os profissionais que se dispõe a trabalhar no campo do psíquico, mas se faz necessário o meu posicionamento: um analista.

Não sei ao certo qual a finalidade dessa escrita, talvez não saiba a quem ela poderia se destinar, ou talvez quais os efeitos – pessoais – ela poderá causar.

Hoje não estive no hospital e o que falarei se deve ao relato angustiado de uma amiga que foi chamada a comparecer em lugares onde o inominável se fazia presente.

Um hospital, por definição, se propõe a receber situações humanas de crise que podem ou não serem tratadas. Tratadas pelos meios que a medicina e seus feitores aprenderam a respeito do organismo humano e do seu funcionamento.

Só que o humano carregado de histórias, de verbos, daquilo que nos torna humanos – a linguagem se apresenta na porta do hospital.

Relato cenas da vida cotidiana de um hospital, onde penso que a necessidade de pausa e reflexão se impõe.

A primeira diz respeito a uma garota, acompanhada por sua mãe, que diante de uma crise de mal estar se apresenta no pronto socorro. A expectativa de que o mal estar pudesse ser desencadeado pela alimentação inadequada e que diante do cuidado – simples – do outro, cuidador, voltaria a sua vida normal, comum, perderia no máximo um dia de aula, o que ate aquele momento parecia vantajoso. A leitura dos colegas não condiz com a expectativa daquelas duas meninas – mãe e filha. Ela foi levada a UTI, após a realização de um exame simples, que constatou que era portadora de uma doença crônica. O horror se instala a perspectiva da cronicidade, do para sempre, se apresenta de uma maneira brutal, avassaladora. Recoloca toda sua pulsão a serviço da limitação do corpo, que destrói a ilusão da infinitude. O momento de vida estava a serviço do ilimitado e não da morte. Ambas choram, pela morte do sonho, pela morte daquela vida, pelo brigadeiro que a criança não poderá mais comer, pelo corpo sexuado que será marcado diariamente como anúncio da finitude.

Somos chamados pela equipe para...

O hospital é um lugar imenso, dividido por suas especialidades e seus técnicos especialistas. Acolhe bebês, velhos, homens e mulheres. Portadores de males e de marcas. A gestante, o poli trauma, o cardíaco, o aidético.

Em outro andar, perdido pelos quartos, uma mulher, madura, casada, mãe de filhos, sente uma dor de cabeça mais acentuada. É levada ao hospital e na mesma sala de emergência recebe a noticia de uma mutação genética que faz com que seus parâmetros sanguíneos se alterem a ponto de levá-la a morte. De uma maneira silenciosa. O sintoma limita seu trabalho, o piano será aposentado, suas mãos não respondem mais ao seu desejo. E de novo somos chamados para...

Quem nos chama agora é uma família. Acompanha os momentos finais, marido e mãe, da esposa e filha, jovem, que desde o nascimento do filho luta contra um câncer agressivo, que lhe desintegra, perdendo funções básicas para o exercício dá autonomia. Os movimentos se tornaram escassos, a voz não se apresentam, a fome não pode mais ser saciada. Não consegue mais carregar seu bebê.

O marido-pai nos diz: Meu filho pede pela mãe, gostaria de vê-la. Papai quando a mamãe volta: Ela já esta melhor:

A dúvida se instala: devo trazê-lo ou não. Ele não consegue decidir. Ele não consegue responder.

Um pouco mais adiante a notícia ecoa. Uma mulher grávida da entrada ao pronto socorro. Feições de pânico e a única frase pronunciada: Não sinto meu bebê! O aparato tecnológico confirma o anúncio da mãe: Seu filho está morto! A tensão de instala, o cenário armado leva mãe portadora de um filho morto ao centro cirúrgico. O pai se posiciona ao lado da mulher: Não vou abandoná-la, ficarei ao seu lado!

Equipe preparada para o inicio do nascimento da morte anunciada. O bebê esperado e construído pelo discurso médico era pequeno, passível de ser expelido pela vagina da mulher. Mas o real se apresenta de outra forma; grande e torto. E morto. Parte do corpo sai, outra insiste em se manter preso ao corpo da mãe. A fusão desses corpos põe em risco a vida da mãe. Os corpos precisam se separar. Nada pode ser feito, além de separar as partes. O real se apresenta e não oferece alternativas. Cabeça e corpo se separam.

O silencio dos pais corrói. O horror corrói. Desintegra qualquer possibilidade da palavra. A mãe sucumbiu às drogas, o pai ao desespero.

Na saída da arena ele cruza com uma enfermeira e indaga: Você se lembra de mim! Estive aqui há dois dias e você e seu médico me disseram que estava tudo bem! Que meu filho estava bem. Agora ele esta dilacerado!

Somos chamados por todos para...

Esse homem começa a relatar a cena, a tentar montar os pedaços do filho em palavras e elas faltam. Sua mulher acordará. Dois pedaços de um humano clamam por um destino. Ele é convocado a oferecer o que não há.

Duas enfermeiras amparadas uma pela outra, são convocadas a juntar as partes e tentar tornar visível para o outro, o semblante de uma criança.

O rolo de esparadrapo não é suficiente. A colocação, a arrumação não são suficientes. A coragem também não.

E se quiserem pegar a criança. A cabeça poderá cair. Não!

Tudo falta, palavras faltam e o que resta é um choro de angústia, de horror.

O plantão chega ao fim.

Todos levaram para suas casas os resquícios desse dia, de suas ações. Famílias esperam por essas pessoas. Das enfermeiras, dos pacientes, do analista.

Resolvi escrever para tentar dormir. Não sei como será.

A tentativa em compreender a possibilidade do trabalho analítico dentro de uma instituição hospitalar é o mote dessa escrita.

Há 14 anos, desde meados de minha graduação em psicologia, circulo por ambientes hospitalares. O primeiro estágio em sala de espera em um serviço de oncologia pediátrica; depois como psicóloga em um centro de reabilitação para crianças portadoras de síndromes diversas e há nove anos como coordenadora de um serviço de psicologia em maternidade e mais recentemente também em hospital geral.

Esse caminho foi feito em paralelo com a minha aproximação da psicanálise, tanto pelo trajeto analítico pessoal quanto pela formação teórica.

Com a lucidez adquirida pelo percurso analítico e utilizando a lente da psicanálise para orientar meu trabalho, comecei a questionar meu posicionamento em uma instituição onde o discurso vigente, representante de uma manifestação contemporânea a respeito do bem estar e da qualidade de vida a qualquer preço, impera. Infinitas são as praticas psicológicas existentes nas instituições de saúde, mas observo muitas vezes suas inconsistências. Atuações que servem unicamente a responder as necessidades do discurso vigorante.

O fenômeno psi nas instituições médicas é atual, se comparado a outros lugares de atuação, e tem servido de palco para debates infinitos a cerca das possibilidades de trabalho. Congressos, encontros, seminários e toda sorte de eventos que se propõem a sistematizar essa prática acontecem simultaneamente.

Entre os temas discutidos está o questionamento das razões que levam a psicanálise para esse meio.

O declínio econômico da população, a possibilidade de resolução de conflitos de forma abreviada e indolor, o desenvolvimento de novas terapêuticas, de recursos medicamentosos que apaziguam sintomas com eficácia, a necessidade institucional de dar conta daquilo que não entra na ordem do discurso médico, a subjetividade.

Atrelado a isso vivemos uma explosão da sistematização de medidas educativas, da criação de indicadores institucionais, da gestão do risco mediante a vulnerabilidade humana, sempre com a finalidade de transformar ambientes estressantes em locais apaziguadores de angústia, isso a partir de práticas de humanização!

Apontadas algumas brechas que acredito, possibilitaram a entrada nesse universo, cabe ao psicanalista, como membro efetivo e participativo das organizações pensar a atuar sua prática.

Isso posto a pergunta seguinte se refere à possibilidade de adaptação da proposição freudiana sobre o método clinico no universo hospitalar.

Os argumentos negativos em se fazer psicanálise no hospital parecem mais consistentes do que as possibilidades otimistas. Penso que eles podem ser divididos em duas categorias: obstáculos referentes a instituição, como o discurso médico e o trabalho com a equipe e os obstáculos referentes a própria teoria psicanalítica como a demanda na instituição, a transferência, questões contratuais e o tempo para o atendimento.

Para melhor exemplificar minha questão, talvez seja necessário contar um pouco sobre minha inserção no serviço do qual faço parte atualmente, na tentativa de responder como o lugar do psicanalista foi se desenhando.

O pedido inicialmente partiu da equipe de enfermagem, especificamente do grupo que atuava em UTI Neonatal, pela dificuldade que encontravam no contato com os pais dos bebês internados. As visitas, naquela época, eram limitadas, o aleitamento materno era escasso e na maioria dos casos, a família só tinha acesso continuo com o bebê quando esse era encaminhado para semi-intensiva, às vezes após dias, às vezes meses depois. Lá, tanto pais como filhos eram estranhos entre si. A semi era palco de grandes tragédias. As mães eram convocadas a cuidar de seus filhos – banho, amamentação, percepção de sinais clínicos de desconforto – e na maioria das vezes não conseguiam.

A solicitação era clara e a expectativa do que faríamos também; a demanda familiar interferia de forma negativa na atuação da equipe e era preciso oferecer suporte emocional para essas pessoas, que legitimamente sofriam por ter um filho internado na UTI, mas a equipe tinha que cuidar dos pequeninos e pouco tempo sobrava para acolher os pais. Grupos de acolhimento às mães com a franca finalidade em apaziguar a angústia, essa era nossa tarefa. E lá fomos nós! Tremendo desastre! As mães reivindicavam o óbvio, queriam ficar mais próximas de seus filhos, amamentá-los, entrar na UTI. Mas, uma vez que você abre espaço para o outro falar o que quer é necessário pensar na possibilidade em responder a isso, ao menos numa instituição. O entrave estava definido. De um lado a equipe pedindo que segurássemos os pais do lado de fora e de outro os pais querendo entrar.

Começávamos a vislumbrar uma possibilidade de trabalho, utilizando os recursos da psicanálise como meios para atuação. Encontrávamos diante de um abismo manifestado entre: uma fala que indica uma demanda, mas esconde o que de fato se deseja, isso acontecia tanto por parte da equipe como por parte dos pais. Se a demanda for respondida tal como ela é formulada, como fizemos, corremos o risco de ameaçar nosso lugar na instituição, porque em última análise a demanda é distorcida, ela nem sempre corresponde ao legítimo desejo.

A única maneira em compreender o que queriam – dar conta da angústia – e a forma em atender ao pedido, se fosse esse o caso, para mim seria via palavra. Sem a pretensão imediata em apaziguar nem a angústia da equipe, nem a dos familiares, conclui que a angústia era necessária, mas precisava circular de uma forma produtiva, não silenciosa e paralisante. As pessoas precisavam falar e lugares de trabalho foram surgindo, tanto com as famílias como com a equipe. Atendimentos aos pacientes e participação nos grupos institucionais.

Com uma possibilidade de trabalho um pouco mais delimitada – alcançada durante esses anos – retomo o tema do presente trabalho: como fazer psicanálise no hospital.

Para se fazer psicanálise é necessário um analista, que sustente seu trabalho nos pilares da teoria proposta por Freud. O conceito transferência é fundamental para pensarmos na atuação, especificamente no hospital, onde parece que a transferência com o médico e com a instituição médica, prevalece. E a eles que o sujeito direciona uma questão – o que se passa comigo? - que ele supõe, será respondido pelo seu destinatário, o médico. Imagine o que se passa quando, ao invés do médico, portador de um discurso cheio de respostas, o paciente se depara com um analista que lhe oferece a possibilidade de falar sobre si. Muitas vezes, apesar do estranhamento as pessoas falam, supondo que a partir da própria fala dará ao outro – analista – instrumento para esse responder ao seu sintoma. Por vezes, testemunhamos nos hospitais, pacientes que iniciam um questionamento pessoal na situação de internação e depois procuram por um processo de análise fora, principalmente no hospital geral.

Aqui faço um parêntese a respeito do trabalho em maternidade, que durante esses anos, observei poucas mulheres que saíram do hospital, após longo tempo de internação de seus filhos e buscaram análise. Essa constatação acontece também pelo relato dos pediatras e obstetras, com quem eu trabalho diretamente. Parece que os problemas foram superados, as memórias negativas ficam ilhadas no espaço físico da maternidade. Diferente do hospital, onde em pouco tempo de trabalho, me deparei com pessoas que diante de um mal súbito, da possibilidade da cronicidade da doença, se questionam a respeito da sua participação na produção da doença.

Se não se configura uma demanda de análise, se o pedido é direcionado unicamente ao médico a fim de que esse alivie sua dor, nosso trabalho com o paciente fica limitado. Diria que da mesma forma quando alguém nos procura no consultório pela ordem de um familiar, se a partir da oferta de escuta não se configura uma questão, não há possibilidade de trabalho.

Para definir a importância da noção de transferência no processo analítico faço um breve apanhado da organização do conceito.

A psicanálise foi inventada como um procedimento de acesso ao psiquismo reconhecido como dinâmico. Dinâmico uma vez que Freud constatou que havia uma parte do psíquico não acessível à consciência, muito embora esta parte exercesse fortes influências nas ações conscientes; mais do que isso que o sofrimento do sujeito era causado por algo próprio, mas que lhe era desconhecido pela via do recalque. Num primeiro momento define a teoria do trauma; um evento ocorrido na realidade que gerou um afeto desagradável, que por meio da censura foi represado no inconsciente, buscando pela via da formação do sintoma uma forma de se expressar. Para isso criou um método clínico baseado no processo de hipnose, que via sugestão resgataria o afeto represado exteriorizando-o (catarse) e assim o sintoma seria eliminado.

Foi pela sugestão de uma paciente que Freud se propôs a escutar livremente sem as interferências do processo de sugestão pensado anteriormente; à medida que a paciente pudesse falar livremente sobre o que a fazia sofrer e tudo mais a isso associado. O analista deveria ser perspicaz na arte de interpretar a fala do sujeito com a pretensão de decifrar um enigma. Com isso o sintoma desapareceria. Seria simples não fosse à resistência do inconsciente a interpretação do analista e diante disso Freud observou que não só havia uma resistência que impedia que o paciente falasse livremente, como ela servia também a manutenção do seu sintoma. Propôs então a comunicação desse mecanismo ao paciente, acreditando que ao dizer-lhe que isso era ineficiente ao tratamento ele abandonaria a resistência, recordando o que havia sido esquecido. Ledo engano e como efeito o que encontrou foi um enamoramento por parte de seus pacientes, as histéricas, que a certa altura do tratamento lhe diziam não ter mais nada para recordar, estavam curadas, muito embora agora apaixonadas não pela análise, mas pela figura do analista. Freud não se convence disso, pelo contrário, toma esse amor como à expressão da resistência que indicava que uma nova neurose se estabelecia, a neurose de transferência, anunciando uma neurose primeira, infantil e que o analista era tomado como uma pessoa familiar, digna de receber a demanda de amor destinada a figuras importantes (parentais) do sujeito em questão. Percebe que quanto mais tocava na resistência mais o paciente resistia ao tratamento, declarando seu amor e sua superação dos conflitos que lhe trouxeram para análise. A resistência, então, indicava que havia um caráter de repetição – dos conflitos edipianos - na forma de expressão do paciente. Mas o sofrimento estava lá e se ele resistia era em relação à descoberta do que estava recalcado pela censura, do que já fora sabido um dia, porém posto de lado, como se o retorno disso indicasse um sofrimento maior do que proporcionado pelo seu sintoma. Freud percebe que o amor de transferência funcionava segundo a mesma lógica das formações inconsciente, como o sintoma.

E a que resiste tanto uma pessoa que busca análise para, como demanda manifesta, aliviar seus sintomas, diminuir seu sofrimento? O que sabemos é que o neurótico resiste bravamente em aceitar ser um sujeito dividido, faltante. E abre mão de se perceber dessa forma pela ilusão da completude, de amar e ser amado. A descoberta nesse ponto é de que o analista esta diretamente implicado no psiquismo do paciente, fazendo parte de sua economia psíquica. Se a repetição sugere a atualização de um conflito inconsciente, se o amor de transferência fala sobre essa repetição, então ele é passível de ser interpretado, assim como todo material de análise.

O analista, agora incluído na dinâmica psíquica do paciente, ocupa lugares familiares, Freud chamou de clichês estereotípicos, formas constantes que são reimpressas no decorrer da vida de cada um.

Desta forma, observamos que se há transferência, necessária para o exercício da psicanálise, além óbvio da figura do analista, é nesse campo que Freud nos diz que a neurose pode ser combatida.

E como se combate uma neurose, se a condição faltante do sujeito neurótico, que o faz sofrer, serve ao mesmo tempo de condição para que ele se estruture como sujeito que deseja? Que direções daremos ao tratamento? Podemos falar em cura da neurose?

Diferentemente da regra fundamental imposta aos analisandos – fale livremente – não encontramos esse correlato tão fidedigno aos analistas. A atenção flutuante e a arte de interpretar servem de guia para a prática da psicanálise. Sugeriu que deixássemos de lado qualquer tipo de preconceito, pressuposto ou inclinação pessoal para escutarmos a partir do discurso do paciente seus nós inconscientes. A supressão dos sintomas, como se propõe a medicina, esta longe de ser o norte da direção de uma análise. Essa tem uma função silenciosa, se cala para que o sujeito do inconsciente possa falar, o sintoma deve ser interrogado, uma vez que nada sabemos a respeito dele e essa interrogação serve como mola propulsora do trabalho analítico. Visa à mudança da posição do sujeito em relação ao desejo do Outro. Inclusive do analista, que pode representar no laço transferencial, todos os outros.

Por isso a análise deve custar, caro, uma vez que limita o gozo. O pagamento, representado em espécie ou seu correlato, está associado a motivações sexuais fundamentais e isso torna indispensável o pagamento do tratamento. Ele deve valer ao paciente. A ausência do pagamento pode interferir na resistência por parte do paciente na sua face transferencial, correndo além do risco da desvalorização da análise, de se estabelecer uma dívida de gratidão com o analista.

Falar sobre pagamento é sempre uma tarefa complexa. No hospital penso que isso torna se mais difícil. Na grande maioria das instituições de saúde a questão do pagamento não é cogitada. Algumas possibilidades são propostas: o manejo do pagamento via presença, custo da passagem da condução, objeto que tenha recebido um valor comercial.

Retomamos assim a questão dos obstáculos internos a respeito do setting. Em relação ao setting a proposição freudiana diz respeito à medida que facilitariam a legitimidade e andamento de uma psicanálise, mas não estipula isso como regra. O que apresenta como regra fundamental é a associação livre. A partir da comunicação da regra fundamental, determinaremos pontos como duração das sessões, freqüência, posição do paciente e pagamento, mantendo o compromisso com a única regra essencial. Sendo assim a possibilidade da psicanálise vai além das paredes do consultório, uma vez que o inconsciente não se manifesta ali, ele esta onde o sujeito esta.

O tempo breve para o trabalho no hospital parece ser outro dos empecilhos. De fato, uma análise pode levar tempo para chegar ao seu fim, às vezes mais do que imaginamos, mas o tempo não pode ser impeditivo para tomarmos o discurso de um sujeito como possibilidade de inicio de uma análise, seja pelo período de internação, seja pelo período de vida.

As urgências impostas, as dinâmicas institucionais, entre outros fatores, interferem na probabilidade de um trabalho mais demorado. Não raros são os dias em que conversamos com uma pessoa e no dia seguinte ela recebeu alta ou veio a óbito. Mas coisas foram ditas e alguma operação pôde ser feita uma vez que é como linguagem que o inconsciente se constitui e através dela, de suas falhas, de seus sintomas, ele se manifesta. O trabalho, muitas vezes, promove a modificação da relação do sujeito com o seu sintoma, fazendo com que ele se implique em sua situação atual. Passa da posição de objeto para a de sujeito, dividido na sua castração. Se esse propósito for alcançado, penso existir a chance de um trabalho analítico mais aprofundado.

Especificamente diante de pessoas que sabem do risco iminente da morte, penso que se faz necessário oferecer escuta. Se nada podemos fazer a respeito disso, podemos, via palavra tentar torna simbolizável o indizível.

Quanto o trabalho em equipe, acredito ser uma das tarefas fundamentais, inclusive para a sobrevivência na instituição, mas não deixa de ser um desafio constante, manter-se em um lugar extra territorial pertencendo há um espaço delimitado. O psicanalista pode seguir duas vias, discutidas até aqui, atender a demanda da equipe de adequação daquele paciente ao discurso médico, operando como um silenciador da subjetividade do paciente em nome do contentamento do discurso médico ou oferecer espaço para transformação de uivos de dor e angústia em fala e talvez, quando alguém conseguir direcionar sua fala como expressão de angústia a um analista talvez possa também suportar as intervenções assistenciais necessárias no ambiente hospitalar.

Isso propicia a localização subjetiva do paciente diante da realidade que esta inserida. O excesso de recorte no organismo do humano que a medicina tem feito, demarca com muita precisão qual o objeto de intervenção que as especialidades têm. O analista garante na interlocução com a equipe que há um sujeito portador daqueles pedaços, tarefa muitas vezes árdua, uma vez que compreendemos o sujeito como uma unidade nos ocupamos do seu discurso como meio de posicionamento subjetivo, mas também presenciamos o horror do corpo marcado.

Por fim, acredito na experiência da psicanálise no hospital. Trabalho sempre desafiador, uma vez que o lugar do psicanalista se situa nos entre espaços. Somos da equipe, mas nosso trabalho não é especializado, ele é específico. Convivemos com vários especialistas que recortam com exatidão seu objeto de intervenção e são eles que na maioria das vezes convocam o nosso trabalho, sem contar com a precisão do que legitimam como demanda para o serviço de psicologia. Se no início todo choro era razão para protocolar avaliação psicológica, hoje um pouco mais familiarizados com nossa presença e nosso discurso, os encaminhamentos parecem mais refinados, mas não raro escuto: dê uma olhada naquele paciente, tem alguma coisa que não tá bem!

E claro me pergunto o que, no discurso do paciente, atingiu o colega da equipe para sugerir nossa presença. Evidente que pergunto o que se passa, e encontro teorias das mais diversas, mas o que chama atenção é a manifestação da subjetividade do profissional, sendo tocada e expressa via sintoma do paciente.

Entre outras razões, essa é uma que fundamenta a importância da trajetória pessoal de análise. O hospital é palco da mais variada sorte de tragédias. Alguma compreensão sobre os motivos que o fizeram escolher essa área é necessária. Necessária também para saber que ao trabalhar nos entre espaços, há um tempo de permanecer e um tempo de recuar, compreendendo sem hesitação os efeitos desse movimento.

O médico toma o sintoma como à manifestação alterada de um metabolismo que indica uma doença e, portanto precisa ser eliminado. O psicanalista lida com os sintomas de modo peculiar. Sabe que eles são mensageiros de uma verdade não sabida. Revelam há existência de uma incógnita, de um conflito inconsciente.

Um intervêm de modo retaliador: fora sintoma! O outro o interroga. Oferecemos escuta para o surgimento da demanda. Demanda quase nunca explícita, os pedidos aparecem nas formas mais inusitadas e é preciso escutar, atentamente ao encadeamento do fala para que a intervenção opere a partir do discurso do sujeito.

O trabalho com pares me parece fundamental. Precisamos de um espaço para o intercâmbio da nossa prática, para o estudo, para o acolhimento e por vezes para a validação do que fazemos. Do contrário corremos o risco de sucumbir à rotina burocrática institucional e nos seduzirmos aos lugares pré-estabelecidos pelo discurso médico.

Bibliografia

FIGUEIREDO,A.N. Vastas confusões e atendimentos imperfeitos.A clínica psicanalítica no ambulatório público. Rio de Janeiro: Relume-Dumara,1997

FILHO,D.N.M. A psicanálise no hospital geral. Estados Gerais da Psicanálise. www.estadosgeraispsicanalise.com.br

FREUD,S. – Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro:Imago Editora, 1996:

(1895) A psicoterapia da histeria, vol.II

(1912) A dinâmica da transferência, vol.XII

(1912) Recomendações aos médicos que exercem psicanálise, volXII.

(1914) Recordar, repetir, elaborar, vol.XII

(1915) Observações sobre o amor transferencial, vol.XII

TOURINHO,M.L. O que pode um analista no hospital: Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica. PUC-S.P,1994.

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